Ficha de artigo : 372315
Antonio Mancini, "Nu de mulher 1926"
Autor : Antonio Mancini
Época: Nos princípios do século XX
Nudez de Antonio Mancini.
Assinado em preto na parte inferior direita: A. Mancini
Pintura a óleo sobre tela de 1926
Medidas: cm a 140 x 100
Em anexo algumas publicações.
O tema principal da obra de Mancini é o ser humano e sua reprodução real e verdadeira, mas não objetiva, mas sempre subjetivamente ligada ao pathos e à identificação do sentimento, que nos une como participantes da mesma experiência emocional e humana. A produção pictórica e gráfica centra-se quase exclusivamente na representação da figura humana e da corporeidade, com uma preponderância de sujeitos femininos. Esta fisicalidade é particularmente procurada pela predisposição de Mancini para a utilização da cor e pelo seu sentido plástico inato. Por vezes, a matéria é tratada com uma maestria tal que engana o olho e resulta quase tridimensional e escultural. O corpo humano é a realidade e a matéria que todos podemos conhecer melhor, pois podemos ter uma experiência plena apenas da nossa existência e solidez e não da do outro que nos rodeia, da qual podemos ter apenas um conhecimento sensorial parcial. Para Mancini, cuja pesquisa se baseava no estudo e na reprodutibilidade do verdadeiro e da luz, que compõem a matéria cognoscível, é, portanto, espontâneo concentrar-se na representação do corpo humano.
Mancini tratará o tema da nudez sob uma luz totalmente inovadora, dificilmente reconhecível por um olhar inexperiente, numa chave totalmente isenta de sensualidade pornográfica, com um sentimento irónico e provocador; os seus nus são um afrontamento ao voyeur da pornografia escondida atrás das nádegas rijas nos banhos turcos e dos seios túrgidos sob os cabelos macios das santas. Mancini oferece crianças em pratos de prata e senhoras gordas em primeiro plano. A sua é uma crítica, ainda que não totalmente conscientemente procurada, à arte como expediente pornográfico, não um tributo e se o observador não sai tocado é apenas pela sua própria carência de requinte, que a um público mais culto saltaria logo à vista.
Mancini não propõe uma nudez que ofende a ética do homem, propõe um nu que abala diretamente a alma, os sentimentos do observador, porque o verdadeiro é oferecido com a intenção de despir como nunca ninguém tinha despido antes, ele não despoja apenas o seu sujeito, ele despoja o próprio observador. O nu não é mais do que o corpo terreno do homem expulso do paraíso terrestre, corpo corrompido pelo pecado, que não pode ser mascarado e ocultado de forma alguma; inescondível, porque privado da graça de Deus, nu diante do seu próprio ser homem, real. Nu que não é impudico, é terreno, carnal, verdadeiro. Despoleta-se então a identificação do observador com a representação real de Mancini, que é a inovação dos seus sujeitos: vestidos ou despidos que estejam, eles derrubam aquele muro que sempre tinha sido erguido entre fruidor e mimese, criam uma ponte emocional para o observador que diante dos seus quadros já não se sente estranho, como diante de uma mera imagem representativa mais ou menos alegórica, até então única intenção pictórica ou único talento possível.
Além disso, são anos de grandes acontecimentos: a Crimeia, Magenta, a expedição dos Mil, Milazzo[1] e o pequeno Antonio encontra-se frequentemente em contacto com os soldados franceses, suíços e papais. Vive de forma distante tais acontecimentos, mas estas recordações retornarão nas suas pinturas; quando, em idade madura, pintar o pai envolvido numa bandeira tricolor, recordando-o enquanto esperava ansiosamente a entrada dos piemonteses. Memórias que se farão caminho, ainda que apenas inconscientemente, nas atitudes e na maneira pictórica de Mancini, que frequentemente invoca o tricolor nas suas pinturas ou insere precisamente referências à pátria e ao orgulho das suas origens; autodefinindo-se romano e marcando o seu fortuito nascimento na capital.
[1] 1859: Segunda guerra da independência.
Antonio Mancini (1852 Roma - 1930 Roma)
No mesmo ano do nascimento de Mancini, a família mudou-se para Narni. Aqui recebeu uma primeira formação junto dos escolapios da igreja de S. Agostinho. Solicitado pelos condes Cantucci que reconheceram a sua predisposição para a arte, Paolo enviou o filho para trabalhar junto de um decorador local e, muito em breve, em 1865 provavelmente precisamente para iniciá-lo em bons estudos artísticos, decidiu mudar-se com toda a família (a esposa e os três filhos, Mancini, Giovanni e Angelo) para Nápoles. Logo empregado como dourador junto de uma oficina no beco Paradiso, "perto da casa de Giacinto Gigante" (nos Apontamentos autobiográficos ditados por Antonio Mancini ao neto Alfredo nos anos 1925-1930, transcritos em Santoro, p. 257), Mancini foi colocado na escola no oratório dos gerolamini e frequentou contemporaneamente a escola noturna junto da igreja de S. Domenico Maggiore, onde encontrou e começou a frequentar o seu coetâneo Vincenzo Gemito; junto do estúdio do escultor Stanislao Lista habituaram-se a desenhar a partir de moldes antigos e sobretudo do verdadeiro, retratando modelos ocasionais encontrados na rua e retratando-se um ao outro. A este momento parece dever-se referir o pequeno monocromo representando um Jovem rapazote nu (Naples, FL, coleção Gilgore). Em julho de 1865 resulta inscrito no instituto de belas artes de Nápoles (seus professores na escola de desenho de figura foram Raffaele Postiglione e Federico Maldarelli), obtendo já no ano seguinte o primeiro prémio da escola de figura. Como Gemito, Mancini não se contentou em experimentar os temas académicos, mas voltou o seu olhar para a realidade circundante, inspirando-se no espetáculo da vida popular; o mundo do circo, em particular, proporcionou-lhe sugestões decisivas. A chegada de Domenico Morelli à cátedra de pintura do instituto em 1868 representou uma etapa fundamental na formação de Mancini, o qual, ainda que alheio às principais tendências criativas e temáticas de Morelli, teria partilhado com o mestre, absorvendo criticamente a orientação antiacadémica dos seus ensinamentos, a necessidade de uma arte firmemente assente nos valores formais. Solicitado por Morelli, Mancini teve a oportunidade de se formar sobre a grande pintura napolitana do século XVII, assimilando a fundo a lição do naturalismo napolitano nas igrejas e nos museus da cidade. Com Francesco Paolo Michetti, também ele chegado a Nápoles em 1868 de Chieti, assim como com Gaetano Esposito e Paolo Vetri, Mancini estabeleceu um forte e incisivo laço de vida e de trabalho durante os fundamentais anos de estudo em Nápoles. Se a primeira obra datada de Mancini (Cabeça de menina, 1867: Nápoles, Museo di Capodimonte) demonstra ainda uma prova de não significativo alento, no ano seguinte ele estreou-se com uma autêntica obra-prima, O rapazote ou Terceiro mandamento (Antonio Mancini, p. 95 n. 1), representação de um adolescente destroçado e deserdado contemplando os restos de um festim mundano, cuja opulenta alegria (evocada apenas através de detalhes de natureza-morta) resulta próxima ao jovem e ainda assim para ele intangível, desavergonhada e ainda assim invejável. A obra foi exposta depois em 1875 na Promotrice di Napoli, e é de se considerar, com Depois do duelo (Turim, Civica Galleria d'arte moderna: ibid., pp. 95 ss. n. 2), incunábulo da poética manciniana, rica nos meios pictóricos e fortemente evocativa nas escolhas temáticas. Prodigioso banco de prova do artista de dezasseis anos, foi de resto logo admirada por Lista e Filippo Palizzi que a viram no primeiro estúdio de Mancini, obtido "no celeiro de uma casa vizinha" (Santoro, p. 257), no beco S. Gregorio Armeno. Iniciou-se com este género de produção, a predileção pela representação dos rapazes napolitanos, cuja infância negada pelas miseráveis condições de vida é descrita com intenso realismo e ao mesmo tempo transfigurada numa chave mítica. A íntima identificação moral com o mundo dos excluídos não comporta na verdade uma adesão às cadências expressivas próprias da denúncia social, tornando-se antes veículo de sublimação poética e psicológica (vejam-se Carminella, 1870: Roma, Galleria nazionale d'arte moderna; Il prevetariello, 1870: Nápoles, Museo di Capodimonte; Il cantore, 1872: L'Aia, Museo nazionale H.W. Mesdag; Saltimbanco, 1872: Nova Iorque, Metropolitan Museum of art; Bacco, 1874: Milão, Museo nazionale della scienza e della tecnica). No início da oitava década, na sequência dos bons sucessos no instituto de belas artes - em 1870 conquistou o primeiro prémio para a pintura; no ano seguinte, o do desenho de figura com Vestir os nus (Nápoles, Accademia di belle arti) - e graças ao interesse de Antonio Lepre, médico e professor de anatomia no mesmo instituto, Mancini obteve alguns locais no ex-convento da igreja de S. Andrea delle Monache que utilizou como estúdio juntamente com Gemito, o escultor Michele La Spina de Acireale e o pintor Vincenzo Volpe. Aí realizou, em 1871, a Figura com flores na cabeça que, exposta na Promotrice di Napoli, o fez conhecer ao músico belga Albert Cahen, o qual solicitou uma réplica. Irmão mais novo de Édouard, influente financeiro estabelecido em Roma, Albert Cahen converteu-se muito em breve para Mancini num verdadeiro patrono; este é o primeiro daqueles numerosos laços de mecenato que constituiriam uma constante de todo o percurso profissional do artista, caracterizando a sua relação com a encomenda - sempre condicionada por uma dependência material já invulgar para os tempos - numa chave fortemente antimoderna (Rosazza). Através de Cahen Mancini entrou em contacto com personagens da sociedade culta cosmopolita (entre outros o escritor Paul Bourget e a família Curtis) que muito apreciaram e apoiaram a sua produção. Falhada a tentativa de aproximar Mancini do mercador alemão G. Reitlinger, apoiante de outros pintores meridionais, Cahen forneceu a Mancini contactos com o mercado artístico internacional, que lhe permitiram enviar quadros a Alphonse Portier que conseguiu garantir-lhe a venda de algumas obras. Sempre através de Cahen, Mancini encontrou acesso aos Salon parisienses, onde enviou em 1872 Dernier sommeil e Enfant allant à l'école e em 1873 Orfanella (Amesterdão, Museo nazionale), já recusado, devido às suas grandes dimensões, por Giuseppe Verdi que o tinha visto em Nápoles (Santoro, p. 257). Remonta a 1873 a primeira importante viagem de estudo: em maio visitou Veneza, onde alcançou Cahen, e sucessivamente Milão, na cuja Exposição nacional de belas artes expôs duas obras de pequeno formato descartadas em primeira instância pela comissão, mas depois reinseridas em exposição em lugares de honra pelo organizador Eleuterio Pagliano. No verão de 1874, com Gemito, Michetti e Eduardo Dalbono, Mancini frequentou assiduamente a villa Arata de Portici, onde a partir de julho residiu com a família de Mariano Fortuny, nos meses a imediatamente seguir a morte súbita de Fortuny, ocorrida em Roma a 14 de novembro daquele ano (Picone Petrusa, p. 426). O encontro, fundamental - como para os outros artistas napolitanos - em razão das extraordinárias sugestões pictóricas e estéticas desencadeadas pela frequência do mestre espanhol, representou para Mancini a possibilidade de vir finalmente a ser conhecido por Adolphe Goupil, o célebre mercador francês apoiante dos mais vivos talentos pictóricos e decorativos do momento. A obra Jeune garçon tenant une pièce de monnaie de 1873-74 (Naples, FL, coleção Gilgore: A chisel and a brush, p. 70 n. 18), presente de Mancini a Fortuny, fez na verdade parte da célebre venda em hasta pública da coleção do artista espanhol, ocorrida em Paris em 1875 precisamente sob a curadoria de Goupil. Em seguida a esta ocasião de forte visibilidade, Mancini foi solicitado a dirigir-se a Paris, onde permaneceu de maio a setembro (1875) e onde teve a oportunidade de conhecer e frequentar não só os artistas italianos ativos na capital francesa, como G. De Nittis e Giovanni Boldini, mas também Ernest Meissonier e Jean-Léon Gérôme. Do mercador parisiense Mancini obteve um contrato que lhe teria consentido não residir em Paris, mas enviar obras de Nápoles; ainda que no catálogo do Salon de 1876, onde foi exposto Le petit écolier (Paris, Mus&eac